Semáforos

Em Lisboa, ou mais concretamente, nas ruas de Lisboa, todos os condutores sofrem da síndrome de MacGyver. Vocês sabem (pelo menos os que sempre viram o genérico) - é aquela cena em que ele consegue passar por um portão de ferro quando este está quase a fechar.

Em Lisboa é igual.
Todos os condutores gostam de se ver como MacGyvers.

Todos os dias, a toda a hora, assim que o semáforo passa do verde ao amarelo, é vê-los acelerar e esgueirarem-se a 120 e a roçar o sinal vermelho! Não sei o que eles andaram a estudar enquanto tiraram a carta, mas será que alguém se esqueceu de lhes ensinar o significado do amarelo!?!

A minha teoria é esta: alguém realmente se esqueceu. E na dúvida, o ser humano reage instintivamente. Ou seja, reage de acordo com as suas origens mais primárias. O mesmo é dizer que reage como um verdadeiro zombie! E digo mesmo um desses zombies autómatos, mecânicos, com olheiras no rosto como se não dormisse há décadas.

Tudo se passa, então, da seguinte sintética forma:

Ali estamos nós, a conduzir... Ao longe, ao fundo, um semáforo com uma luz verde tranquilizadora e simpática relaxa-nos. Deixamos o acelerador na posição socialmente correcta. Deixamo-nos ir. Mas... Eis... Que... De súbito, ao longe, essa luz refrescante desaparece! E em lugar dela surge então uma luz quente e luminosa, amarela, âmbar! É neste ponto que todos nos tornamos zombies. E é assim como zombies que logo desatamos a ir atrás dessa luz! Não vemos mais nada. Só essa luz! Cegamos! Uma descarga nervosa atravessa-nos todas as fibras do corpo e uma voz interior grita-nos "Acelera!", "Acelera, pá!". E nós aceleramos! Carregamos no pedal a fundo e só vemos essa fímbria nesga de espaço temporal que nos acalenta a esperança de nos conseguirmos esgueirar e, voilá!, passar incólumes e vitoriosos!

Só pode.

E é então perante este cenário que melhor podemos perceber o sinal vermelho. Porque o sinal vermelho será o estalar dos dedos do hipnotizador. Ali estamos nós, zombies loucos e dementes, a acelerar que nem loucos, e eis que nos surge essa luz vermelha, forte e quente, perante a qual acordamos do nosso sonho e reagimos, travando imediata e instintivamente.
O carro estaca.
Os discos chiam.
Os pneus derrapam.
O ABS é chamado a intervir.
O corpo é sacudido e tudo isto se assemelha a uma experiência entre o traumática e o surrealmente alucinante.

Regressamos à realidade, e em dois segundos a nossa consciência e pensamento lógico voltam a funcionar. É aqui, portanto, que todos pensamos:

-Ei! Para onde é que foi aquela luz maravilhosa?! Estava aqui mesmo agora! Era tão deslumbrante... E eu? Como é que eu vim aqui parar?!... Bem, não sei o que é que se passou, mas o melhor é eu ficar aqui paradinho e quietinho, e fazer de conta que não se passou nada.

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