Fantasmas do Medo


É curioso como a nossa vida se pulula de fantasmas.
Em crianças temos medo do escuro e nem nos ocorre atravessar o corredor sem as luzes ligadas. Sabemos também, com toda a certeza, que debaixo da cama e no armário os fantasmas se escondem, à espera que por um acaso abramos as portas ou espreitemos, para nos atacarem.

Depois crescemos.

Somos jovens e os fantasmas transformam-se. É o pânico dos exames. São as desilusões amorosas. É o medo da derrota. São pais inimigos ou a simples e avulsa vontade de ser.

Depois crescemos.

É poder ficar só enquanto todos se juntam. É perder-se enquanto todos se encontram. É partir quando todos regressam. E são as dívidas. São as frustrações. A quebra da paixão. A rotina. A falta de rumo. A perda do prazer.

Depois crescemos.

É a velhice. São as doenças mortíferas. É a morte. A possibilidade da perda do outro. A solidão. A morte e mais uma vez a morte. E a solidão. A saudade. E a morte uma vez mais. E a solidão. E o fim.

?Diz o provérbio chinês que os cães ladram não por valentia mas por medo, e diz Thoreau que a maioria dos homens vive vidas de silencioso desespero. O que me faz pensar, afinal, em quantos de nós são diariamente assaltados e convidados pelos seus fantasmas - secretos, soturnos, silenciosos, escondidos. Todos irmãos no medo e, contudo, raros de nós capazes de rugir e de rosnar, preferindo o refúgio amedrontado e a coragem de querer lidar com o circo de paranóias e fantasmas aglomerados sozinhos.

E poderemos algum dia viver sem o fantasma maior? Poderemos algum dia nascer, viver e morrer sem algum dia conhecer o fantasma do medo?

Ou serão afinal, tais fantasmas, imprescindíveis para aqui e ali, no dia, na semana e nos anos, encaminhar-nos para outras acções, outras decisões, quem sabe até para o caminho certo? Poderão, isso mesmo, ser os fantasmas do medo nossos amigos? Não seríamos todos, talvez, piores pessoas se totalmente despojados de medo?

31
ago 2005
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